A escritora, editora e jornalista Leida Reis apresentando o seu terceiro romance, ‘Mulheres arco-íris’ – Foto: Gabriela Morais/Divulgação
Uma voz inconsciente que mistura acontecimentos a divagações, memórias, fantasias e reflexões, encadeando fatos e pensamentos indistintamente em uma narrativa ágil, que segue em fluxo de consciência sem pressa de se interromper por pontos finais ou parágrafos, se permitindo seguir em uma sequência torrencial que nos convida a tomar fôlego para um mergulho no que há de mais íntimo em uma personagem sobre a qual nem sequer sabemos (nem nós, leitores, nem ela) o próprio nome: o seu modo de pensar, que, ao embaralhar sonhos e traumas, amores e decepções, como quem precisa falar para desfazer nós na garganta, retira de nós, ouvintes confidentes, o direito a qualquer julgamento, afinal, diante de tamanha proximidade e abertura, resta-nos apenas o papel de cúmplices.
É nessa toada que Leida Reis nos apresenta às tantas personagens de “Mulheres arco-íris”, o seu terceiro romance, que será lançado em Belo Horizonte neste sábado (23), a partir das 10h, no Café Frau Bondan localizado no pátio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB BH). O livro é constituído por um mosaico de histórias de mulheres de diferentes idades, origens e vivências, que se entrelaçam em torno da protagonista, uma jovem transsexual cujo nome é um mistério até o final da obra.
Em entrevista a O TEMPO, ela explica que a questão do nome da protagonista foi intencional, refletindo a busca da garota por sua identidade. “Eu sou espiritualista e então acredito ter recebido de forma intuitiva informações sobre essa personagem. Pela questão do nome, que normalmente crio com facilidade e no caso não aparecia de jeito nenhum, na divulgação, citamos outros nomes, como Alice, Sarah, Cássia, Carmem, mas não o da protagonista”, assinala.
Vale ressaltar que, na publicação, a temática do feminino aparece em primeiro plano, com força e diversidade: além da jovem transsexual, há outras personagens que enfrentam questões como relacionamentos, conflitos familiares, violência e dependência química. A autora diz, inclusive, que seus romances sempre têm muitas histórias porque é como se ela abrisse uma porta e muita gente entrasse.
UM PÉ NA FICÇÃO, OUTRO NO JORNALISMO
Questionada e este romance – o primeiro de sua autoria publicado desde a fundação da Literíssima, editora de livros que ela está à frente – teria sido mais influenciado pelo universo literário do que os anteriores, escritos quando atuava na redação de um jornal diário, Leida Reis pondera: “Também em “Mulheres arco-íris” há um pouco do jornalismo quando notamos, e isso precisa ser reforçado pelo bem do jornalismo de qualidade (hoje disputando com notícias sem fundamento espalhadas pelas redes sociais), que os acontecimentos chegam até nós por ele. As personagens travestis do livro, por exemplo, são tomadas de documentários e de reportagens mais do que de depoimentos pessoais”. “E mesmo nos livros policiais são os aspectos literários os mais significativos, a experimentação dos diálogos e das cenas, são livros meio cinematográficos”, acrescenta, referindo-se aos títulos “Invenção do Crime”, lançado em 2010 pela editora Record, com orelha de Moacyr Scliar, que era umas de suas influências na literatura, e “Quando os bandidos ouvem Villa-Lobos, publicado dois anos depois pela Manduruvá.
Sobre o processo de escrita de “Mulheres arco-íris”, Leida lembra que tudo começou há cerca de um ano e meio, em um sábado, quando escreveu 12 páginas sem parar. “Era como se a personagem estivesse me ditando sua fala. Uma escrita apressada, quase sem pontuação, nós na garganta se desfazendo”, revela. A autora diz que esse foi o modo como a personagem lhe transmitiu sua fala. “Ela só falava no meu ouvido de escritora, algo quase mágico, mas que muitos escritores experimentam. Não sou do tipo que planeja o livro, que cria personagens, cenários e enredo antes. Sou do tipo que deixa fluir”, explica.
REPERCUSSÃO
Embora ainda esteja em fase de lançamento, o título já vem angariando e agradando leitores e críticos literários. A orelha é assinada por Henrique Rodrigues Leroy, professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (Fale/UFMG). “Confesso ter ficado emocionada porque foi a constatação de que minha intenção de trazer a diversidade estava concretizada. Ali estava aquela personagem trans (à margem a discussão do lugar de fala porque a ficção nos permite) validada por alguém sabedor da boa literatura”, orgulha-se Leida Reis, detalhando que quem fez a ponte com ele foi a primeira leitora do livro, a editora Cláudia Rezende, responsável pela publicação. “Depois, o livro foi lido por uma amiga transsexual, a Olívia Leonel, com quem não conversei detalhadamente antes da escrita do livro. (Após a leitura) ela me enviava áudios sobre trechos apontando situações que tinha vivido na adolescência e se mostrava extremamente tocada pela narrativa. Não pode o escritor ter um retorno melhor de sua obra!”, constata a escritora, que prossegue: “Quero muito poder participar de encontros com mulheres e homens trans para conversar sobre suas experiências e conhecer melhor o universo que ousei retratar em ‘Mulheres arco-íris’”.
LANÇAMENTO
Disponível para compra no site da Literíssima, nos marketplaces da Amazon e Magazine Luíza e em algumas livrarias físicas de Belo Horizonte, “Mulheres arco-íris” teve seu primeiro evento de lançamento na cidade natal de Leida Reis, Patrocínio, na região do Alto Paranaíba. Após a segundo apresentação da obra, que será realizada neste sábado (23), em BH, a autora ainda cumprirá agenda, no dia 17 de outubro, na tradicional Livraria Travessa do Botafogo, no Rio de Janeiro. Ela ainda pretende lançar o título em Brasília e São Paulo, mas as datas seguem indefinidas.
SERVIÇO:
O quê. Lançamento do livro “Mulheres arco-íris”, de Leida Reis
Quando. Neste sábado (23), das 10h às 13h30
Onde. Café Frau Bondan CCBB BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. R$ 61 no site literíssima.com.br
Por Alex Bessas / Jornal O Tempo
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