'GLADIADOR 2' TRAZ ELENCO E ABORDAGEM DE QUESTÕES ATUAIS

Nov 14, 2024 - 13:32
 0  64
'GLADIADOR 2' TRAZ ELENCO E ABORDAGEM DE QUESTÕES ATUAIS
Lucius (Paul Mescal) e Acacius (Pedro Pascal) se enfrentam no Coliseu romano - Foto: WARNER/DIVULGAÇÃO
almoço dudu


 Por Paulo Henrique Silva

MOTOS E MOTOS

A crítica de Quentin Tarantino à profusão atual de remakes e continuações, dirigida principalmente ao canadense Dennis Villeneuve (responsável por “Blade Runner 2049” e da trilogia “Duna”), também poderia cair no colo do cineasta inglês Ridley Scott. Afinal, ele não para de fazer sequências de “Alien, o 8º Passageiro”, além de assinar a parte dois de “Gladiador”, uma das principais estreias desta quinta-feira (14) nos cinemas.
No caso desse épico romano, tudo poderia soar bastante forçado, desde a batida ideia de um filho para dar continuidade à trama do original, até um desejo de vingança provocado pela morte da esposa – mote de nove em cada dez produções de ação. Mas bastam alguns minutos para notar que “Gladiador 2” está longe de ser mais um filme da espada e sandálias, como eram chamadas as cópias italianas do gênero.
Ainda que Lucius nos lembre Ben-Hur (protagonista do clássico de 1959, ganhador de 11 Oscar), como o homem branco escravizado que acaba sendo o líder de uma revolta, a trajetória do personagem vivido por Paul Mescal acumula várias camadas ao longo da narrativa, levando-o a reconhecer as suas origens e entender que os sentimentos de desforra são manipulados por aqueles que estão no poder.
Scott cria leituras bem contemporâneas para esse universo, destacando líderes que se aproveitam da discórdia de seu povo, colocando uns contra os outros. As palavras de ordem do filme são união, igualdade e liberdade, sempre representadas pela ideia de uma “Roma dos sonhos”, constantemente abortada por imperadores irascíveis. Não à toa, boa parte da narrativa se dá no coliseu, espaço de catarse violenta.
Neste sentido, a sequência faz um ótimo diálogo com “Megalópolis”, em cartaz nos cinemas, ilustrando muitas das teorias apresentadas por Francis Ford Coppola no filme, especialmente a noção de uma Roma imperialista como sinônimo de decadência de uma sociedade e espelho para o que está acontecendo hoje, com a ascensão da extrema-direita no mundo. No final das contas, vira um libelo a favor da democracia.
A escolha do elenco não poderia ser mais acertada para estabelecer essa complexidade. A gradual insanidade de Macrinus, que usa escravos em lutas sangrentas na arena, ganha uma interpretação muito contemporânea de Denzel Washington, num de seus melhores papéis nos últimos anos. O trabalho dele está mais próximo do policial corrupto de “Um Dia de Treinamento” do que qualquer caracterização pomposa de época.
A atuação de Mescal também é surpreendente. O ator irlandês, indicado ao Oscar por “Aftersun” em 2023, prova que seu talento cabe em produções mais grandiosas, sem ser “atropelado” por efeitos especiais e cenas de ação. A maneira como é conduzido pela vingança e depois se vê liderando escravos contra o Império é bastante crível e envolvente, o que certamente lhe abrirá caminho para outros filmes de apelo comercial.
O chileno-americano Pedro Pascal, que logo deve vestir a capa de Senhor Fantástico, fecha esse triângulo masculino com exemplo de equilíbrio, bravura e amor à pátria. Enquanto Macrinus e Lucius têm uma proximidade em relação a sensações tão extremadas, o Acacius de Pascal faz um excelente contraponto, exibindo serenidade e fidelidade à esposa Lucilia – única personagem remanescente do original, amante de protagonista vivido por Russell Crowe.
O primeiro filme, por sinal, ganhou o Oscar principal. Mas, em muitos aspectos, a segunda parte consegue superá-lo, seja pela coesão no trabalho do elenco, seja pela boa dobradinha entre entretenimento e questões mais profundas. Scott reproduz Roma com sofisticação e uma beleza que contrasta com a carga violenta. Ela não é uma mera cidade do passado, sendo apresentada de maneira muito viva e atual, estabelecendo com o espectador aquela relação dúbia com a cidade em que moramos.

Qual é a sua reação?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

motos e motos